segunda-feira, 14 de setembro de 2009


Carrego em meus ombros uma triste ferida

feita de agulhas partidas, Ainda sangra

o corte, Como uma lagarta permanece

Jamais tornada cicatriz (borboleta)

Sigo com minhas chagas, ferida

embora desejada, não me é querida

Imagino de prata uma adaga

que me amputasse os braços inteiros

Me cortaria desde os pulsos e arrancaria

de vez de mim esta tua ferida.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009


No campo a flor sozinha se ergue ereta.

Caule frágil sustenta na cabeça o sol

cor amarela que seu olho não vê

mas o gesto existe na madrugada

e eu adormeço

o corpo em febre.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Algo Secreto

Esses últimos meses me vi as voltas com o estudo da história. Confesso que não somos muito íntimas, talvez o fato de minha escolha pelas letras e pelas artes me afaste de uma perspectiva linear e desencadeada de narrativa. Mas enfim, como nem todo tempo se perde, eu me diverti e posso dizer até ter aprendido uma coisa ou outra. Foi uma idéia, aquelas de síntese que intentam provocar o leitor, que me agradou e me fez pensar fora da história. O texto era de Reinhart Koselleck, Crítica e Crise e a idéia a seguinte: o iluminismo surgiu do absolutismo, pois o monarca deixou aos súditos um espaço privado, particular para suas convicções e foi nesse lugar que a consciência pode se desenvolver. O iluminismo não me interessa em absoluto, mas essa idéia de um quarto dos fundos onde algo se constrói apesar de todos os vetores do resto da casa realmente me impressiona. Mais que isso, me atrai. Fico enxergando determinados atos cometidos que, à primeira vista, parecem vindos de lugar nenhum, mas agora sei. Eles foram criados no quarto dos fundos, no gabinete empoeirado. O quarto onde se guarda tudo aquilo que não se quer mais ver, mas que não podemos descartar. Ali certas decisões são tomadas, a revelia do resto da casa. É um segredo necessário.

Todos devem ter um segredo, qualquer um. Algo que não seja dado a ver, que não se mostre. Nisso sempre acreditei, quando mais nova alimentava os pombos da praça quando ninguém estava olhando, quando saía à tarde sem dizer aonde iria. Eu alimentava os pombos, aqueles mesmos aos quais eu maldizia na frente dos outros, os mesmo que recebiam meus chutes. À tarde, sozinha, eu os alimentava somente para ter um segredo. E para minha sorte e sobrevivência, pombos não tem memória. O segredo deve, de tempos em tempos, mudar, pois se gasta. Os pombos não fazem mais sentido, estão gastos. É preciso sempre outro, um novo segredo. O gabinete empoeirado deve crescer junto conosco, pois é daí que surgem os atos fundamentais. O ato inevitável vem dessa pequena saleta atrás de toda nossa consciência e nos impele a seguir e, portanto, agir apesar de nós mesmos.

I

sozinha.ataulfo de paiva, já andei por aqui. bandeiras rasgadas no meio fio. Don’t give up on me. diriam as bandeiras, ou era a mendiga preta que arrastava as malas.  mendiga preta virando adorno do leblon. vista turva, cerveja e fome. qual é o caminho de volta. acordar a mendiga. morder-lhe os tornozelos. nenhum chamado. Don’t give up on me. saudade de minha mãe. nem sei quem foi. vou me cobrir com as bandeiras despetaladas de vermelho e preto. aleijar a preta. manchar minha boca. chagas. mulher sem armas. dentes. ainda tenho dentes e bandeiras. fome e pés trocados. os tornozelos sujos da velha das malas. chora. eu. choro eu. grito na tua janela. Don’t give up on me. e depois durmo na esquina sem marquise da rue de rivoli.

 

terça-feira, 1 de setembro de 2009


Dia 9 de novembro.

 

Hoje sei que você vai morrer.

Inevitável.

O ato é inevitável.

Você diz que não agüenta mais, eu vejo.

Sei que acabou, o tempo, a madrugada mudou

e agora chega.

Não é mesmo?

Brindo sozinha à tua vida.

A tuas palavras, as que ficaram.

Vai, meu querido anjo torto.

Vai que a vida tem pressa

e a morte descansa.

Eu demorarei mais um pouco por aqui.

Qualquer hora (quem sabe?) eu te conheço.

 

               ***

escrevo num guardanapo.

por você.

porque escrevia em guardanapos

desejei um último brinde

por você

porque você partira antes de mim

adeus, amor, adeus, adeus